Após mais de 6.8 milhões de mortos em 3 anos, OMS decreta fim de emergência da covid-19

 

Depois de pouco mais de três anos, trilhões de dólares em perdas e 20 milhões de mortos, a emergência internacional causada pela covid-19 chega ao fim, uma data que entra para a história recente da ciência e do mundo. 

Nesta sexta-feira, a OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciou que seus especialistas chegaram à conclusão de que o vírus não representa mais uma ameaça sanitária internacional e que, portanto, a crise é oficialmente declarada como encerrada. Central para o fim da fase mais aguda foi a expansão da vacina.

Pelas regras da agência, não existe uma declaração oficial do final da pandemia. Assim como a Aids, portanto, a covid-19 continuará a ter o status de pandemia. O regulamento sanitário criado pelos governos há quase 20 anos apenas permite que os cientistas anunciem o início de uma emergência global ou seu ponto final. Não há uma definição de pandemia e o termo está em negociação para o estabelecimento de um acordo que permitirá modificar a resposta global a novos surtos.

Michael Ryan, diretor-executivo da OMS, confirmou que a emergência acabou. "Mas a ameaça não. A batalha não acabou. Provavelmente não haverá um ponto em que a OMS anunciará o fim da pandemia", disse. "O vírus continua a contaminar. Levou anos para que a pandemia [da gripe espanhola] de 1918 terminasse", afirmou.

Didier Houssin, chefe do comitê de Emergência da OMS, indicou que a decisão de encerrar a emergência foi apoiada por 95% dos cientistas do grupo. Segundo ele, três critérios foram estabelecidos para definir se a crise havia sido superada e, agora, a agência irá constituir um grupo que permitirá monitorar a evolução do vírus.

Uma morte a cada três minutos 

A crise que abalou famílias, sonhos, economias e projetos foi a maior pandemia em cem anos. Mas segundo o diretor-geral da agência, Tedros Ghebreyesus, o anúncio não significa que o vírus desapareceu. Segundo ele, se necessário, a OMS voltará a restabelecer a emergência, dependendo da direção da doença.

Hoje, a cada três minutos, uma pessoa ainda morre pela covid-19. Para ele, portanto, governos precisam fazer uma transição para uma normalidade. Mas sem abandonar o monitoramento da doença e sem desfazer os investimentos que foram realizados.

"Perdemos vidas que não precisavam ter sido perdidas", insistiu Tedros, denunciando o fracasso da comunidade internacional. "Precisamos prometer a nossos filhos e netos que não voltaremos a fazer esses erros", disse. 

A emergência havia sido declarada no final de janeiro de 2020. Naquele momento, 7,7 mil pessoas tinham sido contaminadas na China, com 170 mortes no país. No restante do mundo, apenas 82 casos eram conhecidos em 18 países. Fora da China, nenhum registro de mortes tinha sido anunciado.

Hoje, os cálculos apontam que cerca de 20 milhões de pessoas morreram desde aquele momento, com quase 800 milhões de pessoas oficialmente contaminadas. Oficialmente, porém, os dados falam de 7 milhões de óbitos. 

O vírus, cuja origem até hoje é fonte de mistério, foi responsável por uma explosão sem precedentes da pobreza e desemprego no mundo, desmontando 30 anos de avanços sociais. As perdas econômicas atingiram trilhões de dólares, enquanto a própria realidade política de diversos países foi profundamente alterada.

A covid-19 zombou de fronteiras, de ideologias e da postura de líderes supostamente "fortes" que se recusavam a aceitar a gravidade da crise. "Ninguém estava preparado", disse Jarbas Barbosa, diretor-geral da OPAS (Organização Pan-americana de Saúde). 

Ao longo de três anos, o vírus, a vacina, a ciência, as máscaras, os tratamentos, o isolamento social e até os sobreviventes foram politizados.

No Brasil, diante de um governo que adotou uma postura negacionista, a doença matou mais de 700 mil pessoas e o país esteve entre os locais de maior contaminação no mundo. 

Se governos em várias partes do mundo já tinham encerrado a fase de emergência, a OMS ainda insistia que não era o momento de dar fim à declaração. O temor da instituição é de que, sem uma pandemia, governos vão reduzir investimentos e o monitoramento da doença, além do sequenciamento de amostras e a identificação de novas variantes.

Ainda assim, Tedros decidiu seguir a recomendação dos especialistas e decretar o fim da emergência. 

Atraso de um ano e vírus que não desaparecerá 

O anúncio acontece com um ano de atraso, em comparação ao que a OMS esperava. Nos primeiros meses da crise, em 2020, a previsão da agência era de que, até 2022, a pandemia perderia força. Mas, em 2021, a segunda onda da doença foi ainda mais violenta que a primeira. Já as vacinas, produzidas em tempo recorde, levaram meses para serem distribuídas aos países mais pobres.

Para a cúpula da OMS, essa concentração de doses nas mãos de poucos países no início da imunização foi um dos legados mais dolorosos da crise e um exemplo do fracasso da comunidade internacional. 

Apesar de declarar o fim da emergência, a OMS deixou claro que a medida não significa que a covid-19 desapareceu. A entidade insiste que os sistemas de saúde terão conviver com a presença da doença e lidar com ela de maneira permanente.

Ao abrir o encontro entre os cientistas na quinta-feira, Tedros afirmou que é "muito bom ver que a tendência de queda (de casos) continua". "Em cada uma das últimas 10 semanas, o número de mortes registradas semanalmente foi o menor desde março de 2020", comemorou. 

"Essa tendência sustentada permitiu que a vida voltasse ao "normal" na maioria dos países e aumentou a capacidade dos sistemas de saúde de lidar com possíveis ressurgimentos e com o ônus da condição pós-covid-19", disse.

"Ao mesmo tempo, persistem algumas incertezas críticas sobre a evolução do vírus, o que dificulta a previsão da dinâmica ou sazonalidade da transmissão futura. A vigilância e o sequenciamento genético diminuíram significativamente em todo o mundo, tornando mais difícil rastrear variantes conhecidas e detectar novas variantes", alertou. 

Segundo ele, as desigualdades no acesso a intervenções que salvam vidas também continuam a colocar milhões de pessoas em todo o mundo em risco desnecessário, principalmente as mais vulneráveis.

"E a fadiga da pandemia ameaça a todos nós. Todos nós estamos doentes e cansados dessa pandemia e queremos deixá-la para trás", afirmou. "Mas esse vírus veio para ficar, e todos os países precisarão aprender a gerenciá-lo juntamente com outras doenças infecciosas", completou.

Apelo aos governos 

Um dia depois, ao anunciar o fim da emergência, Tedros fez ainda um apelo aos governos. "A pior coisa que qualquer país pode fazer agora é usar esta notícia como uma razão para baixar a guarda, desmantelar os sistemas que construiu ou enviar a mensagem ao seu povo de que a covid-19 não é motivo de preocupação", disse.

Outra preocupação da OMS se refere aos impactos de longo prazo da doença, que provoca uma longa série de sintomas que se podem arrastar durante anos. Uma a cada dez pessoas contaminadas pelo vírus estaria na situação, o que exigirá dos sistemas de saúde um cuidado extra com milhões de pessoas. 

Tedros ainda insiste sobre a necessidade de reformar as regras internacionais para declarar uma emergência e que governos invistam no longo prazo para permitir que uma eventual nova crise não pegue o mundo desprevenido, como aconteceu em 2020. "Não podemos cometer os mesmos erros. Essa é a geração que pode fazer a mudança e reformar o sistema", completou

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